"Que anúncio chamativo..."
A primeira parte de uma história que venho pensando em escrever há dias, mas só agora resolvi colocar meu plano em prática.
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Percival andava lentamente pela
floresta à noite. Os sons dos grilos ecoavam entre as árvores
enquanto o coelho andava à passos curtos e preguiçosos. Sua vida de
explorador de masmorras estava tornando-se cada vez mais difícil
desde que seu pai morreu em um acidente durante uma exploração
impetuosa. Percival estava determinado a continuar seguindo os passos
de seu amado pai, mas tinha de admitir que não era tarefa fácil
quando se está sozinho e quando não se tem experiência. Ele aproximou-se da cidade e andou por
entre as modestas construções de madeira e palha, até a praça
principal. Lamparinas penduradas iluminavam os arredores da praça,
onde o escambo acontecia. Pertences eram trocados entre as espécies
à luz das lamparinas, todos sorriam uns para os outros, julgando
fazerem bons negócios. Mas a atração que apelava a Percival eram
os classificados, uma placa erguida no meio da praça na qual a
comunidade fazia anúncios. Normalmente, ofertas de todos os tipos
eram feitas nos classificados, tal como propagandas de serviços. Não
há dinheiro em Fenária; todos os serviços e objetos são
negociados por pertences. Ou seja, Fenária tinha uma economia de
escambo. Percival aproximou-se da placa e olhou
os anúncios cuidadosamente, por alguma coisa que pudesse sustentar
ele e sua mãe. Ele então viu um anúncio da prefeitura que parecia
perfeito para ele: "Exploradores de todas as idades e espécies, precisamos de
vossa ajuda! Foi encontrada uma nova entrada para a Grande Masmorra e
arqueólogos estão juntando-se ao pé da montanha para iniciar a
ofensiva! Pagamos em comida e água tratada aqueles que ajudarem e
obtiverem bons resultados na exploração. Jornada de cinco horas por
dia. Venha testar suas habilidades, descobrir tesouros e ajudar com o
avanço da arqueologia!" "Que anúncio chamativo...", pensou Percival. De fato, não é
todo o dia que se vê um anúncio daquele tamanho, cheio de
exclamações, muito menos se vem de um grupo de intelectuais
filiados à prefeitura. Percival deu os ombros e leu o resto do
anúncio para saber o local e a hora em que deveria comparecer: na
zona leste da montanha, dentro de dois dias, durante a manhã. Percival assentiu e deixou a cidade, voltando para a floresta
para dar as notícias à sua mãe. O caminho até a casa de Percival
era estreito, tendo de ser feito por uma trilha entre as árvores. A
trilha terminava numa casa de madeira construída numa clareira,
perto de um lago. Ele entrou e andou até sua mãe, a qual estava
sentada numa cadeira de balanço. Ela era uma coelha já idosa, usava
óculos e precisava sustentar-se com uma bengala. Mesmo assim, ela
era feliz, tinha grande vigor e não reclamava de sua idade. Muito
religiosa, ela sempre tinha consigo um rosário de vinte contas de
pérola e quatro de ouro, sendo que cada conta de ouro se interpunha entre
cada grupo de cinco contas de pérola. Ela olhou Percival, que
acabara de chegar e aproximava-se. A casa era muito simples e tinha apenas um cômodo. A única luz
era a luz do luar que penetrava pela única janela que dava para o
lago afora. A velha olhava a janela com uma expressão séria até
dar-se conta de que Percival havia chegado. Sua expressão mudou e ela sorriu para seu filho.- Como foi a busca por emprego? - ela perguntou.- Bem, mama - respondeu Percival. - Acredito que encontrei um
bom trabalho que nos suprirá de comida.- Muito bem... Ainda pretende explorar o subsolo? Sabes o que isso
deu pro seu pai, amor.- Sei muito bem, mãe. Mas meu pai foi imprudente. Confie em mim.
Além do mais, nada remunera mais que a exploração subterrânea. A coelha ficou decepcionada ao ouvir aquelas palavras, mas
aceitou; nada podia tirar Percival de sua paixão. Ele amava
participar de explorações com seu pai e a coelha ficou
impressionada ao ver que presenciar a morte do pai não havia tirado
do filho o desejo de ser como seu velho. Ela gostava de pensar que a
alma do pai agora fazia parte do corpo do filho.- Uma pena que a colheita está ficando difícil - disse a
coelha. - Do contrário, poderíamos continuar a viver sem trabalhar.- Mas é bom viver no luxo e não ter de se preocupar com a
colheita - disse Percival. - Além disso, não gosto de ficar em
casa... é tedioso...- A juventude... - a velha sorriu. - Quem formará seu partido?- Ainda não sei - Percival nem havia se dado conta de que não
tinha um partido. Explorações da prefeitura requerem grupos, "partidos",
formados através de um processo de seleção entre os candidatos.
Porém, às vezes, para trabalhos simples, é recomendado que o
explorador levasse um grupo de amigos fiéis, sem necessidade uma
prova de seleção.- Mas acredito que não precisarei me preocupar com isso agora -
continuou Percival.- Entendo... Melhor você dormir... amanhã será um novo dia... -
disse a mãe. Naquela noite, contudo, havia um outro filho indo para casa, mas
não para encontrar sua mãe. Um pequeno macaco entrou em sua casa,
também de madeira, construída no alto de uma árvore. Ele saudou
seu pai e perguntou:- Nada ainda?- Nenhuma notícia, filho - disse o pai, um gorila preto enorme,
sentado à mesa enquanto consertava um relógio. Pequeno Mimo era um macaco que ainda nem chegara à puberdade.
Ele vivia com seu pai, um relojoeiro, à espera de notícias da
prefeitura, a qual havia prendido sua mãe injustamente. A casa tinha
dois pisos, um destinado à oficina do pai e outro dedicado aos três
quartos. O pai havia construído a casa sozinho no curso de um mês.
As paredes da oficina eram cheias de ferramentas e relógios
clássicos, visto que Fenária não havia descoberto a tecnologia
digital ou o silício. Mimo suspirou e subiu as escadas para seu quarto. Mas seu pai o
chamou:- Mas outra coisa chegou. Mimo foi até seu pai e pegou o jornal da sua enorme mão. Mimo
não tinha muitos amigos e maior parte de seu tempo livre era
despendido lendo o jornal. Ele então subiu as escadas e folheou o
jornal por uma longa hora, lendo cada palavra, sob a luz de uma vela.
A vela ficava no centro de uma tigela com água, para que as fagulhas
que eventualmente pulassem da flâmula fossem extinguidas. Seu quarto
era pequeno o bastante para acomodar somente uma cama e uma cômoda
que também servia como mesa. Uma janela lhe permitia olhar o céu
por entre as folhas da enorme árvore que sustentava a casa. Ele
chegou à seção de classificados e percebeu uma oferta de emprego
bastante chamativa. Era a mesma oferta que estava na praça visitada
por Percival. Como era um trabalho da prefeitura, talvez Mimo
conseguisse, com seu bom desempenho, libertar a sua mãe. Afinal, ele
talvez poderia pedir uma recompensa diferente; seu pai, mesmo
envelhecendo, provia a família da comida que eles precisavam, então
comida e água não eram exatamente escassos no momento. "Será que meu pai iria nisso?", ele perguntou-se. Mimo
levantou-se e foi até seu pai.- O que foi, Mimo? - perguntou o pai. - Sabes que não posso te
levar pra fazer xixi à noite.- Eu sei, pai, não tem de me lembrar... - falou Mimo,
envergonhado. - É que eu vi uma oferta de emprego da prefeitura.
Talvez, se você fizesse um bom trabalho, mamãe pudesse ser
libertada. O pai voltou-se para Mimo e pediu-lhe o jornal. Mimo o entregou,
já na página dos classificados. Seu pai leu atentamente.- Eu não sei se posso. É um trabalho muito arriscado - falou o
pai. - Não é para qualquer um. É necessário ter coragem,
compromisso e um corpo jovem. Mesmo que eu tenha os dois primeiros,
não sei disponho de um corpo jovem o bastante. Mimo pensou um pouco sobre as palavras de seu pai.- Posso eu ir? - perguntou. Os olhos do pai arregalaram-se e ele olhou Mimo com ar de
espanto.- Não! Nunca! Olhe pra você! És uma criança! Jamais eu
deixaria que você participasse de uma ofensiva da prefeitura! -
falou o pai, enfatizando cada palavra com o tom forte de sua voz.- Mas pai... - retrucou Mimo. - é nossa única chance... É óbvio
que a prefeitura não vai soltar a mamãe sem que nós façamos algo.
Os encarceramentos são definitivos até que o culpado seja provado
inocente... ou até que uma fiança seja paga! Você me disse isso! O pai, diante da preocupação do filho, baixou o tom da voz ao
dizer:- Eu sei disso, filho... mas é melhor esperarmos por outra
oportunidade...- Você... às vezes nem parece que ama a mamãe - comentou
Mimo, baixando a voz também. Silêncio entre os dois. O pai havia ficado sem jeito. Talvez,
seu principal problema não fosse a falta da juventude, mas de
coragem. No fundo, o pai tinha medo do subsolo da ilha. Mimo subiu as
escadas e entrou em seu quarto. Ele ficou pensando por algum tempo no
que fazer. Ele não queria deixar sua mãe sofrer na prisão. Ele
pensou por um bom tempo, olhando para o teto de seu quarto. Ele então
chegou a uma conclusão. Ele iria, por sua própria conta, na
ofensiva. Dois dias depois, durante a madrugada, Mimo acordou. Ele havia
bebido muita água na noite anterior para que sua bexiga o acordasse
antes da manhã. Ele acendeu a vela e escreveu uma carta para seu
pai. Depois disso, ele apanhou a mochila que havia preparado na noite anterior e saiu
pela janela. Enquanto isso, Percival foi acordado por sua mãe.- Está na hora de ir, campeão - ela disse. Percival sentou-se. Diferente de Mimo, Percival não tinha uma
cama. Ele e sua mãe dormiam em esteiras sobre o chão. Percival
pegou suas coisas e partiu, após beijar sua mãe. Após uma longa caminhada até a cidade, Percival e Mimo
encontraram-se na praça principal, junto com todos os outros animais
que pretendiam participar da ofensiva. Eles faziam seus preparativos
nas tendas de escambo, mas Percival e Mimo, como não tinham o que
trocar, seguiram logo para a montanha. Foi mais uma hora de caminhada
pela floresta densa e escura da madrugada até o pé da montanha,
onde ainda mais animais estavam reunidos, aguardando instruções. O encarregado de aplicar a prova não havia chegado ainda. Foi um
teste esperar naquele frio, mas muitos haviam vindo preparados. Cada
vez mais animais chegavam da cidade à montanha para prestar o teste.
Eles conversavam entre si e o som de suas vozes enchia o lugar. Havia ali a entrada para a Grande Masmorra. O interior era
revestido de gelo e da entrada partia um intimidador ar gelado. Era
um corredor construído no pé da montanha e que parecia estar lá
desde os tempos ancestrais, isto é, antes da invenção da linguagem
em Fenária. Após uma longa espera, os animais foram agraciados com a
presença de um macaco pequeno, vestindo roupas brancas, usando
óculos, segurando várias folhas de papel. Ele chamou a atenção de
todos:- Senhores, ouçam-me! A hora do teste finalmente chegou! Os animais cercaram o macaco. A primeira etapa foi um sorteio: a
quantidade de provas era limitada, portanto alguns não puderam fazer
por puro azar. Mimo e Percival receberam suas provas. Metade dos
candidatos foi para casa quando não havia mais provas a ser
distribuídas. Não havia caneta ou lápis. Os candidatos tinham que ler as
provas, pensar nas respostas, dirigir-se ao orientador e proferir as
respostas oralmente.